Análise complexa - aula 4

Notas por Pedro Igor

Curvas (continuação)

Definição 1. A equivalência de curvas, definida na aula passada é, de fato, uma relação de equivalência e uma curva é uma classe de equivalência de curvas parametrizadas.

Definição 2. Dada uma curva parametrizada \(\alpha : [a,b] \rightarrow \mathbb{C}\), a curva "invertida" é a curva \(\alpha^{-}:[a,b] \rightarrow \mathbb{C}\) dada por \(\alpha^{-} = \alpha(b+a-t).\)

Definição 3. Dizemos que a curva é fechada quando \(\alpha(a) = \alpha(b).\)

Definição 4. A curva é dita simples se \(\alpha(t_1)\neq \alpha (t_2)\) sempre que \(t_1 \neq t_2\).

Não-exemplo:

Definição 5. Uma curva é fechada e simples é uma curva \(\alpha: [a,b] \rightarrow \mathbb{C}\) fechada tal que se \(\alpha(t_1) = \alpha (t_2) \Rightarrow t_1=t_2\) ou \(\{t_1,t_2\} = \{a,b\}\).

Para simplificar nos referiremos como \(\textbf{curva}\) uma curva parametrizada \(C^1\).
Exemplo: circunferência. \(C_r(z_0) = \{z \in \mathbb{C};|z-z_0|=r\). Cuja paramtetrização é \(z = z_0 + e^{it}, t \in [0,2\pi]\).Dado um círculo \(C = C_r(z_0),\) diremos que a parametrização acima, ou qualquer outra equivalente, é positiva enquanto a parametrização inversa é negativa.

Integral de Curva

Definição 6. Seja \(\gamma\) uma curva e \(\alpha\) uma parametrização, definimos a integral de \(f\) sobre \(\gamma\), ou ao longo de \(\gamma\), da seguinte maneira: \[\int_{\gamma}f(z)dz = \int_{a}^{b}f(\alpha(t))\alpha'(t)dt.\]

Observe que essa definição não depende da parametrização. De fato, se \(\beta : [c,d] \rightarrow C\) é outra parametrizaç˜ão de \(\gamma\) e \(t: [c,d] \rightarrow [a,b]\) é tal que \(\alpha(t(s)) = \beta(s)\), então \[\int_{c}^df(\beta(s)) \cdot \beta '(s)ds = \int_c^df(\alpha(t(s))) \cdot \alpha '(t(s)) \cdot t'(s) ds = \int_a^b f(\alpha(t)) \cdot \alpha '(t)dt .\] Além disso se \(\{a_0,a_1,a_2,...,a_n\}\) é uma partição de \([a,b]\) tal que \(\alpha\) é \(C^1\) em \([a,b]\), então \[\int_{\gamma}f(z)dz = \sum_{i = 0}^{n-1}\int_{a_i}^{a_{i+1}}f(\alpha(t)) \cdot dt.\]

Definição 7. Dada uma curva \(\gamma\) e \(\alpha : [a,b] \rightarrow \mathbb{C}\) uma parametrização, o comprimento da curva é dado por \[l(\gamma).=.\int_a^b|\alpha'(t)|dt.\]

Exercício 1. Mostre que \(l(\gamma)\) está bem definido, ou seja, independe da parametrização escolhida.

Proposição 1. Sejam \(f,g\) contínuas na imagem de \(\gamma\). Então,

  1. \(\forall w_1,w_2 \in \mathbb{C}\),temos \[\int_{\gamma}(w_1f(z)+w_2g(z))dz = w_1 \cdot \int_{\gamma}f(z)dz+w_2 \cdot \int_{\gamma}g(z)dz\]

  2. se \(\gamma^-\) é a curva inversa de \(\gamma\), então \[\int_{\gamma^-}f(z)dz = - \int_{\gamma}f(z)dz\]

  3. vale a desigualdade: \[\left| \int_{\gamma}f(z)dz \right| \leqslant l(\gamma) \cdot \sup_{z \in \gamma}|f(z)|\]

Prova: Segue das propriedades básicas de integral de funções contínuas em intervalos de \(\mathbb{R}\).

Teorema 1. Se \(\Omega \subseteq \mathbb{C}\) é um domínio e \(f: \Omega \rightarrow \mathbb{C}\) é contínua e possui primitiva F, então \[\int_{\gamma}f(z)dz = F(\alpha(b)) - F(\alpha(a)),\] onde \(\alpha\) é qualquer parametrização de \(\gamma.\)

Prova: tome \(F'=f,\) \[\int_{\gamma}f(z)dz = \int_a^bf(\alpha(t)) \cdot \alpha '(t)dt = \int_a^bF'(\alpha(t)) \cdot \alpha '(t)dt\] \[\Rightarrow^* \int_{\gamma}f(z)dz = \int_a^b(F \circ \alpha)'(t)dt = F(\alpha(b)) - F(\alpha(a)).\] Note que a implicação \(*\) segue da regra da cadeia para funções em \(\mathbb{R}^n\) e do fato que F é holomorfa \(\Rightarrow\) F difereniável do ponto de vista de \(\mathbb{R}^2.\)

OBS 1. Por simplificação, as vezes escreveremos \[\int_{\gamma}f(z)dz = F(\gamma(b)) - F(\gamma(a)),\]

Corolário 1. Sob as mesmas hipóteses do teorema acima , se \(\gamma\) for fechada, então \[\int_{\gamma}f(z)dz = 0.\]

Considere o seguinte exemplo. Seja \(C = C_r(0)\) uma circunferência ao redor da origem com orientação positiva e \(f(z) = \dfrac{1}{z}\). Então, \[\int_{\gamma}f(z)dz = \int_0^{2\pi}\dfrac{1}{re^{it}} \cdot ire^{it}dt = i \int_0^{2\pi} = 2\pi i \neq 0.\] Logo, se \(\Omega\) é um domínio contendo \(C_r(0)\), então \(\dfrac{1}{z}\) não possui primitiva em \(\Omega.\)

Corolário 2. Se \(\Omega\) é um domínio e \(f : \Omega \rightarrow \mathbb{C}\) é holomorfa é tal que \(f'(z) = 0 ,\forall z \in \Omega\). Então, \(f =\) constante.

Proof. Como \(\Omega\) é conexo pelo exercício 5 do capitulo 1 do livro do Stein, \(\Omega\) é conexo por arcos. Isto é, dados \(z_1,z_2 \in \Omega, \exists \alpha : [a,b] \rightarrow \mathbb{C}\) uma curva parametrizada tal que \(\alpha(a) = z_1, \alpha(b) = z_2\) e \(\alpha(t) \in \Omega \forall t \in [a,b].\) Com isso, \(f(z_2) - f(z_1) = f(\alpha(a)) - f(\alpha(b)) = \int_{\gamma}f'(z)dz = 0,\) onde \(\gamma\) é a curva associada à parametrização \(\alpha.\) ◻

O Teorema de Cauchy

Teorema 2. Se \(f\) é holomorfa em um domínio \(\Omega\) e \(\gamma\) é uma curva fechada cujo \(\textbf{interior}\) está contido em \(\Omega\), então \[\int_{\gamma}f(z)dz = 0.\]
Observações:

  • Ao exigir que o interior da curva esteja no conjunto, não precisamos exigir que \(f\) possua primitiva;

  • Isso não contradiz o exemplo que vimos envolvendo \(C_r(0)\) e \(f(z) = \frac{1}{z}\) pois, f não é holomorfa em \(z = 0\) e 0 está no interior do círculo.

Vamos começar com uma versão simplificada do teorema.

Teorema 3 (Goursat). Se \(T \subseteq \Omega\) é um triângulo cujo interior está contido em \(\Omega\) então \[\int_{T}f(z)dz = 0.\]

Definição 8. Triângulo. Seja \(\{a_0,a_1,a_2,a_3\}\) partição de \([a,b]\). Tome \(\alpha: [a,b]\rightarrow \mathbb{C},\) tal que \[\alpha(a_0)=A,\quad \alpha(a_1) = B,\quad \alpha(a_2) = C,\quad \alpha(a_3)=A\] e, além disso, \[\alpha([a_0,a_1]) = \overline{AB},\quad \alpha([a_1,a_2]) = \overline{BC}\quad \alpha([a_2a_3]) = \overline{CA}\] as respectivas parametrizações dos segmentos.

Proof. Chamaremos o triângulo original de \(T=T_0\) e usando os pontos médios \(E,D\) e \(F\) dividiremos \(T_0\) em quatro triiângulos \(T_1^1 = \triangle AEF, T_1^2 = \triangle FBD, T_1^3 = \triangle CED\) e \(\triangle T_1^4 = DEF\), todos semelhantes ao original com um fator de semelhança igual a \(\dfrac{1}{2}\).

Parametrizando os triângulos no sentido anti-horário temos que \[\int_{T_0}f(z)dz = \int_{T_1^1}f(z)dz+ \int_{T_1^2}f(z)dz + \int_{T_1^3}f(z)dz + \int_{T_1^4}f(z)dz\] Portanto, \[\left| \int_{T_0}f(z)dz \right| \leqslant \sum_{i=1}^4\left| \int_{T_1^i}f(z)dz \right| \leqslant 4 \cdot \max_{1 \leqslant i \leqslant 4} \left| \int_{T_1^i}f(z)dz \right|.\] Seja \(i\) tal que \(T_1^i\) realiza o máximo acima, defina \(T_1 = T_1^i\). Ou seja, temos, \[\left| \int_{T_0} f(z)dz \right| \leqslant 4 \left| \int_{T_1}f(z)dz \right|.\] Repetindo o processo, encontramos \(T_2\), contido no interior de \(T_1\), demelhante a \(T_1\), com fator de semelhança igual a \(\dfrac{1}{2}\) e tal que \[\left| \int_{T_1}f(z)dz \right| \leqslant 4 \cdot \left| \int_{T_2}f(z)dz \right|.\] Iterando o processo, temos uma sequência de triângulos \(\{T_n\}\) tais que o fator de semelhança entre eles é \(\dfrac{1}{2}\) e \[\left| \int_{T_{n}}f(z)dz \right| \leqslant 4 \cdot \left| \int_{T_{n+1}}f(z)dz \right|.\] Sejam \(p_n =\) perímetro de \(T_n\) e \(d_n = \operatorname{diam}(T_n).\) Por conta do fator de semelhança, segue que \(p_{n+1} = \dfrac{1}{2}\) e \(d_{n+1} = \dfrac{1}{2}d_{n}.\) Concatenando os resultados, temos que \(d_n = \dfrac{1}{2^n}d_0\) , \(p_n = \dfrac{1}{2^n}p_0\) e \[\left| \int_{T_0}f(z)dz \right| \leqslant 4^n \cdot \left| \int_{T_n}f(z)dz \right|.\] Seja \(\widetilde{T_n}\) = fecho do interior de \(T_n.\) Então: \(\widetilde{T_n}\) é compacto, \(\operatorname{diam}(\widetilde{T_n}) = \operatorname{diam}(T_n)\) e \(\widetilde{T_{n+1}} \subseteq \widetilde{T_n} ,\forall n \in \mathbb{N}.\) Logo, pelo teorema dos compactos encaixados, existe um único ponto \(z_0\) que está contido em todos os \(T_n\). Como \(f\) é holomorfa em \(z_0\), dado \(\epsilon > 0 , \exists \delta > 0\) tal que se \(|z-z_0|< \delta\) então \(\left| \dfrac{f(z)-f(z_0)}{z-z_0}-f'(z_0) \right| < \epsilon .\) Logo, \[|f(z)-f(z_0)-f'(z_0)(z-z_0)| < \epsilon |z-z_0|.\] Tome \(n\) grande suficiente de modo que \(d_n < \delta.\) Temos neste caso, que \(|z-z_0|< \delta| , \forall z \in T_n\). Logo, temos \[\left| \int_{T_n}[ f(z)-f(z_0)-f'(z_0)(z-z_0)]dz \right| < \epsilon \int_{T_n}|z-z_0|dz < \epsilon \cdot d_n \cdot p_n = \dfrac{\epsilon d_0 p_0}{4^n}.\] Uma vez que a função constante \(f(z_0)\) e a função \(f'(z_0) (z-z_0)\) possuem primitiva em \(\mathbb{C}\), segue que \[\int_{\gamma}f(z_0)dz = \int_{\gamma}f'(z_0)(z-z_0)dz = 0.\] Portanto, temos que \[\left| \int_{T_n}f(z)dz \right|< \dfrac{\epsilon d_0 p_0}{4^n}.\] Disto segue que \[\left| \int_{T_0}f(z)dz \right| \leqslant 4^n \cdot \dfrac{\epsilon d_0 p_0}{4^n} = \epsilon d_0 p_0 .\] Como \(\epsilon\) é arbitrário, o resultado segue. ◻

Ramon Nunes
Ramon Nunes
Assistant Professor of Mathematics

My reasearch interests lie in Number theory. More specifically, in Analytic Number Theory. I am also interested in Automorphic forms, specially in its applications to Number Theory.